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sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Carta Enviada ao Meu Picheleiro - Portugal Merece Saber

Enviada esta segunda-feira com aviso de recepção.
Caro Sr. Jacinto
Há duas semanas, abri-lhe as portas da minha intimidade, recebi-o de braços abertos e acabei por sair magoado. Usando a sua terminologia, encaro cada relação como uma empreitada chave na mão e tento garantir que tudo corra bem. Mas nunca aprendo. Pois bem, sr. Jacinto, considere-se o meu último professor, eu aprendi a lição.
Quero que saiba, sr. Jacinto, que eu conheci outro picheleiro. Sim, depois de tudo o que se passou entre nós, claro que não o ia chamar a si para me resolver o problema da sanita. Chamei uma empresa e enviaram-me um picheleiro muito bem parecido, transbordava alegria e simpatia e sabia lidar com os outros, fazendo-me sentir um verdadeiro homem. À entrada, o sr. Alves (é assim que ele se chama, para depois não me vir com cenas a perguntar quem é ele) tomou a iniciativa de me estender a mão e pediu-me licença para entrar. Meu Deus, quase perdi a respiração, percebi que tinha um cavalheiro à minha frente e não outro sr. Jacinto. Lembro-lhe que o senhor quando entrou em minha casa não me cumprimentou e nem limpou os sapatos no tapete. E quando chegou à casa de banho eu falava para si e você não me ligava nenhuma, como se pelo facto de eu nunca ter mexido em tubos, torneiras e chaves inglesas, eu não fosse suficientemente homem para si. Pois fique a saber, o senhor Alves até parou de martelar na parede só para eu acabar de falar. Um encanto! Enquanto o senhor me encheu o quarto de cimento e betumes, o senhor Alves trouxe dois panos e cobriu o chão antes de começar a trabalhar. Naquele momento, fiquei totalmente conquistado.
Sr. Jacinto, fique a saber que quem recorre a um picheleiro muitas vezes procura também um ombro amigo que o ouça na sua aflição e lhe dê atenção. Eu quis-lhe contar como descobri a fuga de água, o meu desespero e o senhor nem quis saber.
Mas o que mais me magoou no sr. Jacinto foi quando eu confundi uma anilha com uma bucha o senhor riu com desprezo e abanou a cabeça. Eu feito tolo, como sou demasiado dado, ainda lhe ofereci três cervejas. Claro que o álcool só ajudou a destruir a nossa relação, porque o sr. Jacinto depois das três cervejas até foi rude comigo, quando me berrou para não abrir a torneira e ainda usou expressões como “esta porra”. Pois fique a saber, enquanto não resolver o seu problema com o álcool, se calhar não será capaz de construir uma relação estável. Ao contrário de si, o meu novo picheleiro disse-me que só tomava um copinho à hora das refeições.
Por fora, sr. Jacinto, vê-se o que se é por dentro. O sr. Alves vinha vestido como se fosse para ir ao centro comercial, com um colete bege, uma camisa bordeux, a combinar com uma calcinha de ganga azul escura. É nestas pequenas coisas que se vê um picheleiro. O senhor vinha com umas calças rotas e uma camisola justa toda cheia de tinta, que não o favorecia nada. E sempre com aquele palitinho insuportável na boca. Apetecia-me limpar-lhe os dentes de uma vez com um fio dental e partir esse palitinho em mil bocados. O sr. Alves vinha com o cabelo curto e penteado, como eu gosto, com um bocadinho de gel, que dá aquela aparência húmida. Parecia um engenheiro. Saiba, sr. Jacinto, que engenheiro é aquele que parece. Você entrou-me cá duas vezes a casa com o cabelo cheio de pó e um boné da “Moutados” todo sujo de tinta e cimento.
Mas o pior de tudo foi quando o senhor me veio com a história que não era trolha, que era picheleiro. Eu só gostava de compreender onde acaba o trolha e começa o picheleiro. Se calhar para os outros o senhor já era trolha, mas para mim era só picheleiro. E quando eu o vi a partir um bocado de parede para puxar o tubo para fora, o senhor disse que isso é trabalho de picheleiro, mas quando eu lhe pedi para me substituir um azulejo, o senhor afirmou que isso é trabalho de trolha. Eu acho que o senhor tem duas personalidades e duas caras e o senhor é que tem problemas de identidade. E enquanto não for a um psicólogo tentar resolver isso, não será capaz de descobrir e assumir que tem um picheleiro e um trolha dentro de si. Pois fique a saber que no senhor Alves eu tenho um trolha, um picheleiro e um electricista. Sim, electricista, ele ainda me instalou uma tomada na parede. O Sr. Alves não é apenas o picheleiro mais educado e bem parecido que eu alguma vez conheci, é também um homem muito prendado e versátil.
Pois bem, sr. Jacinto, as coisas entre nós terminaram.
Até sempre
JP

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